domingo, 23 de dezembro de 2007

a praia

*


Continuou a andar, devagar, olhando as pedras das beira da estrada, pensando vagamente no passar do tempo e sem se preocupar muito com isso, as pequenas ervas rasteiras a estalarem ao de leve debaixo dos sapatos. Um carro vermelho e veloz passou por ele, buzinando. Desviou-se um pouco.
Começou a descer o carreiro em direcção à praia, lá em baixo.
Foi caminhando pela praia deserta, com aquela dificuldade teimosa que dá a areia seca e solta. aproximou-se mais da beira-mar, para fazer menos esforço com as pernas. Parou um pouco e ficou a olhar o mar repetitivo que ia e vinha, sempre. Continuava a pensar no tempo que também estava indo e vindo à sua volta, mas sem tirar quaisquer conclusões nem tentar fazê-lo. Olhou um pouco mais o mar e prosseguiu.
Quase no fim da praia sentou-se, com extremo cuidado e algum cansaço, numa pedra larga e confortável.
Ficou a observar, com atenção desnecessária, as rochas que ali ao fundo cortavam a praia com exactidão e seguiam pelo mar dentro.
Um buzinar distante e súbito fê-lo voltar a cabeça. Lá em cima, na estrada, passava um carro vermelho e veloz.
Depois notou uma figura que, lenta, começava a descer o carreiro. Indiferente, ficou a observá-la.
A figura começou a avançar na sua direcção, aproximou-se da beira-mar. Parou e assim ficou algum tempo. Retomou a marcha, ajudada pela areia mais resistente e continuou a aproximar-se.
Então, com algum esforço dos olhos um pouco míopes, viu-a com nitidez.
Viu-se, caminhando pela praia, em direcção a si.


mário-henrique leiria, in Novos Contos do Gin

Sem comentários: