quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

conversas de café II

(um homem sentado ao balcão; uma mulher, numa mesa do café, observa-o discretamente; algum tempo depois o homem vira-se e, ao ver a mulher, aproxima-se da sua mesa.)

- Quando chegaste?

- Pouco tempo depois de ti.

- Eu estou aqui há meia hora!

- É verdade.

- Viste-me chegar?

- (serenamente) Eu disse que cheguei depois de ti.

(pausa)

- Por que não foste logo falar comigo?

- Não tinha nada para te falar.

- Tu convidaste-me para vir ter aqui, a este café!

- Eu sei. Tinha saudades tuas. Senta-te.

(o homem senta-se; os dois ficam frente-a-frente, olhando-se mutuamente)


rla

domingo, 21 de fevereiro de 2010

casa em ruínas


-->O quarto cheira a cogumelos mortos. Uma cama de ferro, com as costas próximas de uma parede caiada, ampara o peso de uma mulher, deitada com a barriga sobre a colcha de renda com cheiro a naftalina. As mãos agarradas ao ferro retorcido da cabeceira. Ao fundo da cama uma cómoda de madeira escura, sobre a qual se encontra um napperon de linho a todo o comprimento do tampo, e sobre ele um retrato dos noivos a descer o altar, acabados de se prometer até à morte, um ao outro. Ela de branco, ele de preto. Uma fotografia a preto e branco. Um casal que nunca teve cor. A abençoá-los, uma estatueta de Nossa Senhora de Fátima, com um vestido branco parecido com o da noiva no retrato. Ao lado, um porta jóias, que nunca teve ouro nem prata, tem guardado um dedal e um par de agulhas e alfinetes.



rla

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

quero o sol


Em dias de chuva e frio há um peso que me faz arrastar o corpo. Que me diz “levanta-te, faz alguma coisa; por que não escreves?”. Eu deixo-me ficar debaixo dos cobertores. E penso no amor.
Nos dias solarengos há uma força que me faz saltar, correr, cantar. Que me diz “ri, escreve”. E eu saio à rua. E amo.



rla