sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

as crianças são loucas!

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Quico vivia fechado em casa, sem amigos, prisioneiro da crença das pessoas e da sua conformação. Coleccionava as mais incríveis e disparatadas coisas: conchas que os pescadores lhe ofereciam, folhas secas que apanhava no chão no largo, caixas de fósforos, actores da bola que se vendiam na sua taberna, pedrinhas do rio, papéis de rebuçados, pratas de chocolate, berlindes de vidro, pagelas de santos, borboletas.
Tudo isto faz parte de um mundo que ele criou em segredo. O seu mundo. Aquele lugar inventado onde ele é ele e não aquilo que querem que ele seja. Neste mundo ele tem um nome diferente, outros pais, outra família e vive numa cidade que se chama Luxa María.
Fechava-se horas no quarto brincando dentro deste mundo imaginário, de onde só saía quando o chamavam insistentemente por qualquer motivo. Esta reclusão de Quico trazia a sua mãe preocupada, pressentimentos de mãe. Um dia, para aumentar ainda mais o seu temor, ouviu o filho falar com alguém que era suposto estar no quarto com ele. Colocou o ouvido à escuta e ouviu o filho referir dois nomes: Xenu-Xenu e Xunólinha e falar com eles como se estivesse à conversa com outras crianças da sua idade. Assustada, a mãe pensou que se tratava de espíritos, talvez anjinhos vindos de propósito do céu, voando nas suas asas brancas. Seriam alguns querubins ou outros meninos da corte celestial? Ou estaria o filho enlouquecendo? Talvez fossem demónios a tentá-lo, não aconteceu o mesmo a Cristo e a tantos santos da Igreja?, aventava a avó.



joaquim mestre, in A Imperfeição do Amor

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